
O meu domingo começou quase como todos os outros domingos. Quase! Eu acordei super tarde, tomei banho, café e fui pra casa do meu pai. Costumamos almoçar juntos aos domingos. E que o domingo é um dia chato, cansativo, monótono, todo mundo sabe e acha, ou quase todo mundo! O mais engraçado é que até mesmo o meu pai que não é chato feito eu, é um cara super alto astral, otimista até debaixo d’água, quase não reclama do alheio, ontem, ele estava reclamão.
Eu zanzava de um lado pra outro, não sabia bem o que fazia, sobre o que conversava, fiquei trocando os canais da tv e, de repente, veio à notícia que logo se tornaria o acontecimento do domingo em todo o país: o repórter cinematográfico da Tv Bandeirantes, Gelson Domingos, 46 anos, foi morto durante uma troca de tiros entre policiais e traficantes, numa localidade da zona oeste carioca. Ele, assim como todos os outros repórteres incumbidos de cobrir operações de alto risco, estava cumprindo mais um dia de labuta.
É sempre a mesma velha história! O Rio de Janeiro continua se destacando como uma das cidades mais violentas do mundo. E daí, não é mais novidade pra quase ninguém quando ocorre uma situação desse tipo. Virou rotina esse tipo de ocorrência. Surgem os motins, os confrontos entre criminosos e autoridades e os bairros se transformam em praças de guerra a céu aberto. Salve-se quem puder, ou melhor, quem conseguir escapar, né?
Eu fiquei paralisado diante daquela notícia! Estava falando, reclamando de não sei bem o quê e me vi em silêncio total, olhando fixamente pra tv, quase tendo que ser cutucado pelo meu pai pra voltar “a terra”! E escutei dos presentes:
“– eu, hein? Viu um fantasma, menino? Não está cansado de saber que o Rio não é lugar que ninguém pise? E que a toda hora morre um, morrem dez, morrem cem”?
Uma sensação estranha; sabe? Eu quase concordo plenamente com tudo o que estava sendo falado. Mas ainda reluto em admitir um troço desses! Não era mais pra eu me chocar com essas notícias, com os tais motins, com as mesmas carnificinas dos últimos sei lá quantos anos, porém, eu ainda me assusto bastante com essa violência tão gratuita!
E procurei não ficar pensando no assunto enquanto usufruía à tarde em família. À noite, me situando de maiores detalhes sobre o fato, fiquei ainda mais chateado. Cheguei a começar um texto como esse aqui, com intuito não somente de publicar no blog, mas de enviar mesmo pra algum lugar, pra algum portal de notícia, pra secretaria de segurança do estado, enfim, pra qualquer lugar onde fosse possível manifestar a minha indignação e inquietude mediante mais esse caso. Em vão!
As idéias se embaralharam tanto na minha cabeça, que três parágrafos adiante eu travei. Não saía mais nada, nem uma linha. Não escrevi mais porra nenhuma tamanha a minha estupefação. E acabei desistindo. Pensava com meus botões: “– vou escrever sobre isso a troco do quê, meu Deus, se não serei sequer lido, atendido, saciado em minhas indagações”? E larguei tudo pra lá. Tentei abstrair outra vez.
O jornalismo sofreu mais uma baixa. Uma tentativa de ser calado a balas, em rede nacional. Todo mundo se perguntando: - mas e a liberdade de imprensa?
Minha mãe sempre teve pavor que eu me enveredasse por esse caminho, o da comunicação. E contrariando às suas expectativas, é uma das minhas maiores paixões. Enquanto ela apontava o dedo pra mim e dizia:
“-tá vendo o que eu falo pra você? Que esse negócio de jornalismo é um perigo; olha aí! De onde já se viu os repórteres irem pro meio do fogo cruzado em favela, minha Nossa Senhora”?
E eu bem sério retruquei: “- agora mesmo, eu seria capaz de fazer exatamente a mesma coisa que esses ilustres companheiros fizeram. Pegaria uma câmera, um microfone, um bloquinho de anotações, o diabo se fosse preciso, mas não me deixo intimidar”!
A Band além de lamentar a tragédia, enviou uma nota declarando que o cinegrafista trajava colete à prova de balas, que estava guarnecido de todos os aparatos cabíveis para aquela situação. Por mais que a gente não confie muito nesses coletes, eles se mostram bastante eficazes. No entanto, a dúvida é: são capazes de resistir a tiros de fuzil? Pelo visto, não! E foi-se o tempo que as armas usadas pelos criminosos eram aquelas das quais se podia blindar. Nem o super-homem conseguiria peitar os armamentos de grosso calibre ostentados nesse tipo de embate.
Em relação a minha inquietude e tristeza sobre esse episódio lamentável, finalmente consegui começar outro texto e estou publicando aqui. Talvez não devesse, mas porque, não? Vai mudar o eixo dos acontecimentos? É; provavelmente não. Até porque a vida do Gelson já foi extirpada mesmo. Mas é aquilo – a gente não pode continuar se fazendo de desentendidos.
O grau de dormência que nos atinge é elevado, mas ainda corre sangue e indignação em nossas veias. Ainda temos fé, esperança, isso ainda não nos foi tirado. E por mais combalidos que nos sintamos, por mais impotentes que estejamos, devemos nos reunir e continuar peregrinando em prol de mudanças positivas. Então é assim? Vamos recuar? E o sagrado direito de ir e vir, fica aonde?
Já que pagamos impostos tão caros, mas somos aconselhados a não fazer quase mais nada pra que não morramos de graça, precisamos fazer pelo menos uma coisa enquanto ainda é possível: reivindicar eficácia na retomada pela segurança pública, ué!
E faço minhas, as palavras do Presidente da Associação Nacional de Imprensa: “- o jornalista tem que seguir informando a notícia na hora em que acontece; não podemos nos deixar intimidar por mais essa brutalidade”.